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16.8.12

Lobo Lao

Lao Tsé é um artífice da contrariedade. Sua mente antediluviana qual um fóssil protuberante de maracujá guarda  vivas as mil e uma sementes da instigação; as flores exóticas de seu pensamento inebriam dos eruditos aos curiosos, e atraem também toda a sorte de intransigentes parásitos, ávidos pelo néctar do Tao. Sua crítica sulfúrica contra a civilização e o modo dispendioso e complexo de viver é entremeada de ironias poéticas  e da dolorosa profundidade cosmogônica do I Ching. Eis porque Laozi é antes de tudo um Artista do Caminho Flutuante, venerado nos círculos mais elevados da criatividade.

Em certo instante inacessível às limitadas coordenadas temporais, Lao Tsé fazia seu le parkour habitual pelo umbral dos sonhos da humanidade quando a matéria revolcada e densa de um pesadelo tenebroso chamou sua atenção. Era Lobão em mais uma de suas projeções astrais regadas a álcool com rivotril:  imaginava-se um avatar da Umbanda com poderes descontrolados após invocar sem sucesso o Exú Caveira. Lao assumiu uma de suas dez mil formas, a de Morpheus, pairou sobre o vórtice onírico que avançava perigosamente sobre o Mundo dos Sonhos, e, com um gesto ameno e intenso como uma brisa mediterrânea, efervesceu as consequências terríveis da provocação amadora do 
ardiloso Exú.

Ao acordar, Lobão se viu em meio a um quarto destroçado e garrafas de uísque reduzidas a vidro em pó por suas próprias mãos. Ainda se julgava uma encapetada vímana transcendental, mas sentia na realidade os efeitos fortificantes do encontro pessoal com Lao. Curiosamente, a partir deste dia gradualmente se afastou dos psicotrópicos e das orgias, interessou-se pelos ensinamentos taoístas e se tornou um de seus seguidores mais ativos e estapafúrdios, praticando caridade em presídios e compondo canções como “A Queda” e “Você e a Noite Escura”, dedicadas exclusivamente ao Ancião de Gu-Ren.

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