Licença Creative Commons

19.9.10

Tao Marx

Muitos se perguntam como Lao Tsé pode viver tanto, ou como atua com discrição tão decisiva em quase todos os campos do saber humano, por toda a Terra. E, embora sejam questões óbvias, passam ao largo do que realmente importa. Seria algo como desvendar a origem do hambúrguer nos tártaros, que conservavam as carnes urinando sobre elas e utilizando-a como confortáveis selas de seus traseiros nus por milhares de quilômetros; ou do protetor solar na pasta de manteiga de leite de égua com a qual os mongóis besuntavam a pele do nascimento até a morte. Meras curiosidades históricas para as quais grande parte da sensível civilização atual não está preparada. Assim, o que importa é que Lao está entre nós, indubitavelmente, tentando reverter os danos da "incerteza metódica" que reduziu a mente humana a um Windows 3.1 e seus pensamentos a uma planilha travada do excel. 

Superado isso, há relatos fidedignos de um monólogo ríspido entre Lao Tsé e Marx, bem ao modo destas duas personalidades fortes. Em meio à uma crise de hemorróidas, durante a juventude, Marx viu-se impossibilitado de concluir seus estudos econômico-filosóficos, e, para relaxar, passava os dias sentado em uma bacia de água morna lendo o Dao De Jing. Sua extraordinária concentração e a repetição insistente das estrofes foi capaz de invocar a presença do velho mestre. Uma luz nebulosa invadiu o ambiente. Lao Tsé avançou dela como uma águia e silenciosamente lançou à bacia um pó branco e algumas folhas secas, largando o pequeno alforje curativo sobre o chão. Marx sentiu um borbulhar espumoso adentrar suas partes sensíveis: o alívio veio imediato e permanente como um urro visceral do Manifesto Comunista.

Estava tão feliz que se levantou sem as calças, expondo as indignidades para agradecer por tal milagre tão simples e eficiente. Lao, mantendo sábia distância, deteve o impertinente barbudo com voz macia:
"- Teus intestinos absorveram puro ópio chinês da primeira dinastia. Não sentirás nada por tanto tempo que a cura alcançará inclusive teus maus hábitos, as dores do presente e do futuro. Mas são tênues os limites entre a teriaga e o veneno. O ópio pode ser ambos, e com tal sucesso, que se diz, dos vícios e crenças obsessivas: o ópio é a religião do povo e a religião é o ópio do povo. Em teu caso, o ópio foi apenas o ópio. É a falta de um ou de outro que provoca o dissenso. Se faltam ambos, há harmonia".

A seguir, girou Lao em torno de sua longa túnica e desapareceu  em uma bruma, por entre livros  desfolhados, panfletos incendiários e uma quantidade estupenda de sanduíches embalados que poderia alimentar um Troll e, contudo, serviam para que o único marxista de batismo criasse sua obra vital sem interrupções. Marx, recomposto, não guardou toda a sabedoria infinita daquelas palavras, e acabou resumindo o encontro medicinal com o velho kitai na famosa crítica à teoria do direito de Hegel. Escreveu-a, segundo dizem, fumando em um longo cachimbo o ópio presenteado por Lao Tsé.

Nenhum comentário:

Postar um comentário