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22.9.10

Dragon Lao

Lao Tsé é um mestre da velocidade. Seu pensamento é imediato e cortante, sua técnica é sucinta e precisa, sua imobilidade é relativa - e geralmente relativa ao referencial dos homens comuns, parvos trogloditas incapazes de ver em Noé um marinheiro a circunavegar o mundo em sua Barca imóvel, capitaneada por Lao Tsé. Ventania repentina, trovão ao longe, súbitas obnubilases, auroras boreais em pleno Equador terrestre, bugios em alvoroço... Sinais dos giros quânticos do velho monge, desaparecendo e reaparecendo no mesmo local antes que qualquer um, guiado por uma estranha sensação de ausência, se pergunte aonde ele estava.

Um caso recente foi registrado em Montevideo por um atento estudante que observava, do outro lado da rua, um jovial velho esperando o ônibus. Ele tomou uma linha sem paradas para a rodoviária, esquecendo atrás de si uma pilha com todos os 33 livros de Feng Shui da feira de Tristan Narvaja. Um segundo no tempo e uma apnéia lentíssima tomou  conta de sua mente, inebriada pela paralisia qual um leitão mergulhando em geléia de mocotó. Os livros haviam sumido, e o velho jovial desaparecia a bordo de outro ônibus antes de a cena voltar ao normal numa lufada  quente.

Assim é Lao Tsé. Não surpreende sua influência naqueles celebrizados como agentes da celeridade. Sua tartaruga de estimação, corredora constante e estratégica, foi imbatível mesmo diante do relampejante Aquiles. E Filípides, o mensageiro ateniense, aprendeu com ele técnicas de controle respiratório essenciais para evitar sua morte por extenuação antes dos 42 quilômetros fundadores da maratona olímpica. Já Nelson Piquet, o bonachão irônico movido por declarações polêmicas e orgias com modelos em seu iate, é um dedicado taoísta que estudou a vida e os textos sagrados com mãos pingando graxa e fedendo a gasolina. Pode-se inferir toda uma seqüência de pensamentos que levam a esta improvável conclusão a partir de um único evento, repetição cíclica de um grande momento de Lao Tsé:

1986. Mogyorod, Hungria. Grande Prêmio de Hungaroring. O novato Ayrton Senna impunha a Nelson Piquet uma dolorosa ultrapassagem e lhe roubava uma vitória até então incontestável. O bicampeão estava diante de uma ameaça real: um adversário impertinente e genial poderia golpear sua autoestima até que ele fosse reduzido de sua condição de mito displicente às desmoralizadas sarjetas onde agonizam os anti-heróis derrotados...

[neste instante, recordou-se de Lao, enlameado por Confúcio milênios antes, quando o super-filósofo cruzou seu caminho a bordo duma luxuosa carroça com quatro parelhas esplêndidas do haras Imperial. Dispunha  apenas de seu agonizante boi preto. Outrora fora o touro cuja cópula atraía princesas de reinos remotos e dispersava minotauros nos labirintos das eras míticas. Agora conduzia com vagar paquidérmico o sábio monge. Lao Tsé esperou um trecho sinuoso e deslocou o bom boi para a relva. A carroça de Confúcio logo girou em falso sobre um lamaçal, o vulto desajeitado de Boilao ressurgiu, e rebolou à frente de brancos garanhões durante o resto da viagem. ]

... Piquet esvaziou-se de aflições, tinha o espírito zen consigo. Na curva mais improvável do estreito e ardiloso circuito, atacou pela borda externa, emparelhou com Senna e girou o volante, travando todas as rodas no melhor exemplo conhecido de derrapagem controlada. Senna olhou de soslaio, apenas para ser saudado por dois dedos médios erguidos. Notável, mas ainda distante do mestre, como confessou mais tarde Confúcio: "- Hoje eu vi Lao Tsé. Estava sobre um boi preto, mas como se parecia com o dragão!".

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